Havia
uma pensão que queria ser mais do que isso. Então, cercaram com grades parte do
relvado do Jardim Alfredo Keil e anunciaram por decreto a implantação de um
quiosque modelo “Império”. Soube daquilo assim: Venho rua acima e vejo escrito
nas grades do Jardim: “A Fabrigimno vai
aqui erguer um Quiosque modelo Império”. Mas não era bem assim… li mal e…
confundi-me! O que dizia mesmo era “Quiosque
modelo República”. Engano compreensível, eu sei. A memória é o que define a
espécie humana e a memória deste individuo já não é a mesma de antigamente.
Vinha ofegante a subir a rua e quando chego a casa, ao invés de Republica
escrevo Império. Pior! À pressa, escrevo um chorrilho de disparates sobre tudo
isto. Armado em senhor da Razão, pareço o Velho do Restelo do bairro da Glória,
sempre pronto a falar mal desta nova vaga de progresso, como se uma coisa não
fosse apenas uma coisa, como se fossem coisas diferentes. Engano compreensível,
eu sei. Ou não! É que desconhecendo o sabor do doce, uma pessoa ainda pensa que
é uma coisa má… É como naquela história do Adão e da Eva, uma história de amor
e traição, pecado e castigo. Recapitulemos: a Eva come a maçã! O Adão come a
maçã. A serpente ri-se. O Senhor fica chateado. Expulsam-se os comilões do
Jardim.
Nasceu
um cogumelo na Praça da Alegria. Protegido pelo seu muro de metal, nasceu e
cresceu, expandindo-se pelo território. Há uns tempos havia-me deparado com um
rececionista gordo escorregando baba para cima das empregadas de limpeza com
suas fardas verdes salazarentas e ares de superioridade, julgando-me a mim.
Ora, detentor da Razão era eu… quer dizer… ok…pronto… nascem cogumelos no
Jardim! Cogumelos e trevos. Expulsam-se os mandriões do jardim comem uma maçã e
acham que já sabem qualquer coisa (onde é que isto já se viu! Ainda querem dinheiro e ordenados, qualquer
dia até descanso pedem! Sem gente trabalhadora a relva cresce, já se sabe… trevo e cogumelos
por todo o lado! O Modelo Império… (ai desculpem!) República é uma coisa nossa
para usufruto de só alguns. Mordida a maçã, há que fazer pela vida… ou queriam
passar o resto da vida refastelados a olhar para as estrelas, tempo ameno o ano
todo, os passarinhos a cantar e tal e tal e tal. E a relva como ficava? Era ver
o verde engolir o Éden. E olhem que não falo do antigo Hotel nos Restauradores…
ou… será…? Confusão banal? Erro ordinário?
O
cogumelo cresce e alivia-nos do desconforto da vida, apodera-se dela, dá-nos
uma bela esplanada. A paisagem não sai nada cara! Café a 65 cêntimos. Há que
angariar clientela, sobreviver ao Inverno, há que alimentar o cogumelo!
Nascem
cogumelos por todo o lado.
A
pensão alastra o seu território, conquistando terreno ao espaço privado. A
República (agora não me enganei) cede o seu espaço. A Pensão agora é Hotel!
Comprou o seu novo titulo no mercado nobiliário.
Afinal
a paisagem sai um bocado cara. Há que comprar títulos, propriedades,
licenciamentos etc. O progresso não é barato!
O
Império progride. Claro! Sentado na esplanada (a Liberdade ali ao lado) o
Imperador pensa no seu plano. Há que haver carrosséis quando se visita a
Disneylandia. Há que apagar recordações da República e construir um novo
Império. O VI Império. Um império com quotas sobre a sardinha assada e selfies
de um qualquer Desejado.
-
Abatanado?
-Sim!
E também este pastel de nata que está mesmo aqui a olhar para mim.
O
empregado assim o fez.
Por outras palavras, oferecemos o porco ao
modelo Império (ai esta minha confusão!) e ainda pagamos imposto quando este
nos vende o presunto. O presunto, quer dizer… o presunto era antigamente, que
agora só fiambre e mesmo assim, só daquele da promoção do Minipreço.
Ao lado,
crianças brincam. A civilidade nelas ainda não é completa. Precisam de uma
certa rigidez. Cresce então um muro de madeira que as protege das vicissitudes
da vida, que as oculta de olhares inapropriados. A fonte que outrora era o
centro do jardim, adquire um plano secundário. As árvores caem por cima de suas
folhas. O Outono ampara-lhes a queda. Recolhem a madeira para dentro do Hotel. Há
que arranjar lenha para aquecer os já bem instalados hóspedes. Relembro o Mito
da criação, a expulsão do Paraíso. Homem e mulher nús e sem abrigo. Escrevo disparates…
mas não nos deixemos enganar! A queda de um Império é uma coisa normal, para
mais nos tempos de hoje. Olhem-nos a nós… detentores da Razão! Todos nós, avaliando
e julgando, caindo do alto de nossos pedestais, soterrados debaixo do mármore,
empoeirados e ensanguentados, engasgados pelos caroços da maçã.
Vinha por ali acima a correr, com aquela pressa de
chegar a casa, com aquele passo de quem deve alguma coisa a alguém e tomam-nos
logo por um malandro qualquer. Aquele rececionista gordo, escravo engravatado,
julgando-se detentor de propriedade…