sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Havia uma pensão que queria ser mais do que isso. Então, cercaram com grades parte do relvado do Jardim Alfredo Keil e anunciaram por decreto a implantação de um quiosque modelo “Império”. Soube daquilo assim: Venho rua acima e vejo escrito nas grades do Jardim: “A Fabrigimno vai aqui erguer um Quiosque modelo Império”. Mas não era bem assim… li mal e… confundi-me! O que dizia mesmo era “Quiosque modelo República”. Engano compreensível, eu sei. A memória é o que define a espécie humana e a memória deste individuo já não é a mesma de antigamente. Vinha ofegante a subir a rua e quando chego a casa, ao invés de Republica escrevo Império. Pior! À pressa, escrevo um chorrilho de disparates sobre tudo isto. Armado em senhor da Razão, pareço o Velho do Restelo do bairro da Glória, sempre pronto a falar mal desta nova vaga de progresso, como se uma coisa não fosse apenas uma coisa, como se fossem coisas diferentes. Engano compreensível, eu sei. Ou não! É que desconhecendo o sabor do doce, uma pessoa ainda pensa que é uma coisa má… É como naquela história do Adão e da Eva, uma história de amor e traição, pecado e castigo. Recapitulemos: a Eva come a maçã! O Adão come a maçã. A serpente ri-se. O Senhor fica chateado. Expulsam-se os comilões do Jardim.
Nasceu um cogumelo na Praça da Alegria. Protegido pelo seu muro de metal, nasceu e cresceu, expandindo-se pelo território. Há uns tempos havia-me deparado com um rececionista gordo escorregando baba para cima das empregadas de limpeza com suas fardas verdes salazarentas e ares de superioridade, julgando-me a mim. Ora, detentor da Razão era eu… quer dizer… ok…pronto… nascem cogumelos no Jardim! Cogumelos e trevos. Expulsam-se os mandriões do jardim comem uma maçã e acham que já sabem qualquer coisa (onde é que isto já se viu!  Ainda querem dinheiro e ordenados, qualquer dia até descanso pedem! Sem gente trabalhadora  a relva cresce, já se sabe… trevo e cogumelos por todo o lado! O Modelo Império… (ai desculpem!) República é uma coisa nossa para usufruto de só alguns. Mordida a maçã, há que fazer pela vida… ou queriam passar o resto da vida refastelados a olhar para as estrelas, tempo ameno o ano todo, os passarinhos a cantar e tal e tal e tal. E a relva como ficava? Era ver o verde engolir o Éden. E olhem que não falo do antigo Hotel nos Restauradores… ou… será…? Confusão banal? Erro ordinário?
O cogumelo cresce e alivia-nos do desconforto da vida, apodera-se dela, dá-nos uma bela esplanada. A paisagem não sai nada cara! Café a 65 cêntimos. Há que angariar clientela, sobreviver ao Inverno, há que alimentar o cogumelo!
Nascem cogumelos por todo o lado.
A pensão alastra o seu território, conquistando terreno ao espaço privado. A República (agora não me enganei) cede o seu espaço. A Pensão agora é Hotel! Comprou o seu novo titulo no mercado nobiliário.
Afinal a paisagem sai um bocado cara. Há que comprar títulos, propriedades, licenciamentos etc. O progresso não é barato!
O Império progride. Claro! Sentado na esplanada (a Liberdade ali ao lado) o Imperador pensa no seu plano. Há que haver carrosséis quando se visita a Disneylandia. Há que apagar recordações da República e construir um novo Império. O VI Império. Um império com quotas sobre a sardinha assada e selfies de um qualquer Desejado.
- Abatanado?
-Sim! E também este pastel de nata que está mesmo aqui a olhar para mim.
O empregado assim o fez.
 Por outras palavras, oferecemos o porco ao modelo Império (ai esta minha confusão!) e ainda pagamos imposto quando este nos vende o presunto. O presunto, quer dizer… o presunto era antigamente, que agora só fiambre e mesmo assim, só daquele da promoção do Minipreço.
Ao lado, crianças brincam. A civilidade nelas ainda não é completa. Precisam de uma certa rigidez. Cresce então um muro de madeira que as protege das vicissitudes da vida, que as oculta de olhares inapropriados. A fonte que outrora era o centro do jardim, adquire um plano secundário. As árvores caem por cima de suas folhas. O Outono ampara-lhes a queda. Recolhem a madeira para dentro do Hotel. Há que arranjar lenha para aquecer os já bem instalados hóspedes. Relembro o Mito da criação, a expulsão do Paraíso. Homem e mulher nús e sem abrigo. Escrevo disparates… mas não nos deixemos enganar! A queda de um Império é uma coisa normal, para mais nos tempos de hoje. Olhem-nos a nós… detentores da Razão! Todos nós, avaliando e julgando, caindo do alto de nossos pedestais, soterrados debaixo do mármore, empoeirados e ensanguentados, engasgados pelos caroços da maçã.

                Vinha por ali acima a correr, com aquela pressa de chegar a casa, com aquele passo de quem deve alguma coisa a alguém e tomam-nos logo por um malandro qualquer. Aquele rececionista gordo, escravo engravatado, julgando-se detentor de propriedade…

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